Livro da editora Da Boa Prosa, 2014.

Deuses de Dois Mundos - O livro do Silêncio é o primeiro livro de uma trilogia épica que desbrava a mitologia dos orixás. A obra é de autoria do carioca P.J. Pereira que, além de escritor, é publicitário e produtor de filmes. De acordo com o Institute for Cultural Diplomacy, com sede nos EUA e Alemanha, o Brasil é o maior país com população negra fora da África, no entanto, sabemos tão pouco a respeito da nossa ancestralidade; obviamente há uma explicação para esse desconhecimento: o Brasil possui uma trajetória de perseguição, omissão e intolerância que impede a propagação de uma herança cultural que também é nossa. Deuses de Dois Mundos acaba por se tornar um grandioso presente a nós brasileiros, por inserir de forma deleitável e leve uma mitologia tão rica e magnífica que, infelizmente, ainda é distante e envolta em preconceitos.
No primeiro livro da trilogia, sete dos atuais orixás mais conhecidos nos são apresentados, dentre eles estão: Orunmilá, Exu, Oxum, Ogum, Oxóssi, Iansã e Xangô. Acredita-se que os orixás eram ancestrais que tiveram uma vivência terrena - por isso as características semelhantes aos humanos - e, posteriormente, foram divinizados por terem adquirido controle sobre a natureza. É a essa vivência terrena no Aiê (o mundo dos homens) a que nós leitores somos apresentados, a caracterização dos personagens do P.J. Pereira é bastante humana, passamos a conhecer a personalidade, gostos, imperfeições e virtudes de cada um dos sete, sem nem nos darmos conta.
Orunmilá consultando um de seus instrumentos: a tábua de Ifá (oráculo africano).

Tudo começa quando os instrumentos do grande babalaô (espécie de adivinho) Orunmilá se calam. Por meio desses instrumentos, Orunmilá fazia contato com os odus (16 príncipes do destino que falam através dos instrumentos) que habitam o Orum (o mundo dos espíritos), a fim de aconselhar todo um povo, sobre diversos assuntos. Orunmilá envia o seu mensageiro Exu ao Orum, com o intuito de descobrir o porquê do silêncio dos odus. De volta do Orum, o mensageiro revela ao babalaô que as Iá Mi Oxorongá (velhas feiticeiras) sequestraram os odus e que Oxalá e os demais orixás necessitam da ajuda de Orunmilá. Para isso, o adivinho deverá recrutar um grupo de sete guerreiros, com o propósito de resgatar os 16 odus sequestrados pelas feiticeiras.
Paralelamente a essa narrativa mitológica, em torno dos sete guerreiros e a sua jornada para encontrar os odus, é contada a história do jornalista Newton Fernandes, um jovem ambicioso e cético quanto às questões espirituais. Descobrimos quem é Newton e a série de eventos estranhos que aconteceu a ele, por meio dos e-mails trocados entre o próprio jornalista e um desconhecido, saudado apenas por “Laroiê”. Sendo assim, há uma alternância entre a narrativa mitológica e os e-mails de Newton, a opção por essa estrutura na obra torna a leitura mais fluida, além de que essa estratégia integra a ancestralidade à contemporaneidade de forma louvável.
Um book trailer da trilogia foi lançado, em 2013, no canal do P.J. Pereira no YouTube. Confesso que boa parte do desejo pela leitura dos livros da série surgiu desse vídeo que conta com a narração do grandioso Gilberto Gil e trilha sonora de Otto (cantor pernambucano) e Pupillo (do Nação Zumbi), só gente incrível! Confesso, também, que esse book trailer nos deixa bem desejosos de um filme ou, quem sabe, um conjunto de filmes. Seria incrível se assim fosse, pois o alcance cinematográfico é, na maioria da vezes, maior que o alcance literário. E vamos combinar que o cinema já está saturado de filmes que tratam da mitologia greco-romana ou nórdica em narrativas fílmicas, não é mesmo? Não que isso seja ruim, muito pelo contrário! Mas a questão é: por que só há espaço para esse tipo de mitologia? Deixo a pergunta para reflexão e o book trailer para aguçar-lhes o desejo.


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