O Projeto Fotográfico intitulado “Os Medos dos Esquecidos” busca retratar, por meio da linguagem verbal e não-verbal, os diversos medos enfrentados por pessoas em situação de rua, um grupo extremamente ignorado e marginalizado em nossa sociedade. E por se tratar de uma temática inquietante e de um segmento social excluído fez-se a opção por fotografias em preto e branco.

A cidade do Recife conta atualmente com dois Centros de Referência Especializado para População em Situação de Rua (Centro POP Glória, em Santo Amaro; e Centro POP Neuza Gomes, no Torreão). Os Centros POPs têm o objetivo de “assegurar atendimento e atividades direcionadas ao desenvolvimento de sociabilidades, na perspectiva de fortalecimento de vínculos interpessoais e/ou familiares que oportunizem a reconstrução de novos projetos de vida” - site da Prefeitura do Recife.
O que acontece, de fato, é que esses centros se tornam um espaço de lazer, no qual as pessoas, em situação de rua, utilizam para assistir TV, jogar dominó, conversar e até dormir. Vale ressaltar que ambos os centros funcionam das 8h às 17h, depois desse horário, essas pessoas não têm para onde ir. O município esconde durante o dia, o que a população em geral não quer ver. É imediata a necessidade de criação de abrigos noturnos, para que seres humanos (seres humanos!!!) tenham acesso a algo tão primário. A prefeitura alega que não há dinheiro e essas pessoas seguem sofrendo o medo da insegurança noturna. Recentemente tivemos as eleições para prefeito e nenhum dos candidatos, sequer, mencionou projetos voltados para esse público esquecido e, portanto, sem voz.

“Os Medos dos Esquecidos” tem como outra finalidade dar visibilidade a pessoas que, a princípio, parecem tão distantes a nós, seja por sua condição subumana, seja por sua condição de risco. O contato mais direto com essas histórias de vida, leva-nos a quebrar alguns paradigmas instaurados em torno das pessoas em situação de rua. Ouvindo-os, percebemos que eles não são tão distantes de nós, como (talvez) imaginássemos. As fotografias e as entrevistas foram realizadas no Centro POP Glória, localizado no bairro de Santo Amaro. Confiram.


 Nosso primeiro personagem é o Sancler Towara Tsorote, de 28 anos. O nome e o sobrenome atípicos advém do Aquém ou Akwém, uma língua falada pelos Xavantes, povos indígenas que habitam o Centro-Oeste do Brasil. O jovem indígena nasceu no estado do Mato Grosso e viveu numa reserva indígena com a mãe, padrasto e dois irmãos até os 7 anos de idade.

 Há uma tradição muito comum, em algumas tribos indígenas brasileiras, que é a prática do infanticídio em crianças com deficiência física ou mental, uma questão extremamente delicada que perpassa os limites do respeito cultural e dos Direitos Humanos. Sancler nasceu com uma deficiência na mão esquerda, mas, felizmente, não foi morto. Em contrapartida, havia uma pressão, entre vários membros da tribo, sobre a família Towara Tsorote para que largassem Sancler, à própria sorte, nas matas mato-grossenses.

 A não-aceitação e o cerceamento constante desses Xavantes sobre os Towara Tsorote  levaram-nos ao Rio de Janeiro, estado onde Sancler viveu com sua família até a idade adulta. Além das terras fluminenses, ele passou pelo Distrito Federal, mais especificamente, em Ceilândia. Recém-chegado ao Recife, o indígena conta da dificuldade inicial de se encontrar locais que acolhem pessoas em situação de rua: “Deveria existir assistência social dentro das rodoviárias, demorei pra encontrar aqui [Centro POP Glória], não tem informação”.

 No decorrer da entrevista, Sancler fez uma revelação surpreendente: o indígena é presidente de uma ONG, a Federação dos Escudos Indígenas do Brasil, que faz a defesa pública dos Direitos Humanos das pessoas, comunidades e povos indígenas portadores de deficiência ou sobreviventes das práticas de infanticídio. A Federação dos Escudos Indígenas do Brasil atua em todo o Brasil e subsiste por meio de doações.

 Sancler é uma alma andarilha, viaja todo o Brasil com quase nada no bolso, mas com muita vontade de socorrer seus semelhantes espalhados por todo o país. Vive somente da solidariedade, vive para ajudar pessoas a garantirem o direito mais nobre e básico, o direito à vida.

 Obs.: Para ajudar a Federação dos Escudos Indígenas do Brasil faça uma doação de qualquer valor no Banco Itaú, Agência 4357, Conta Corrente 18659-4. Para mais informações, falar diretamente com o Sancler Towara Tsorote no telefone: (62) 8244-8190.


Esqueça toda e qualquer imagem clichê que se cria a respeito de uma pessoa em situação de rua, Francis José Ventania, de 49 anos, é uma grande quebra de simulacro em todos os aspectos. Natural do Paraná, Francis, assim como tantos brasileiros, é uma vítima do desemprego. Durante o tempo em que viveu no Paraná, ele casou com uma mulher, cujo único filho - de outro casamento - era deficiente. A família vivia bem com o salário do Francis e da aposentadoria da criança com deficiência. 

Contudo, devido a um corte de funcionários, Francis ficou desempregado e as dificuldades financeiras começaram a surgir, a aposentadoria da criança já não era suficiente para os três. Com isso, o nosso personagem foi posto pra fora de casa. Sem família e sem dinheiro, Francis foi em busca de um rumo para sua vida e nessa trajetória passou pelos estados de São Paulo, Mato Grosso, Goiás, Pará e Rio de Janeiro.

Seu sobrenome, “Ventania”, é um bom indicativo de sua essência: itinerante e forte. Francis é um homem que conhece boa parte do Brasil e neste ínterim (de aproximadamente 14 anos), até sua chegada a Pernambuco, ele trabalhou em hotéis, pousadas e restaurantes. Essas experiências propiciaram a ele a fluência em espanhol e inglês.

 Há três anos em Pernambuco, Francis conta que trabalhou em hotéis em Porto de Galinhas e que, por mais uma vez, o desemprego bateu à sua porta, desta vez, os resultados foram mais radicais e o levou às ruas. Vive há 6 meses em situação de rua, um tempo bem considerável para quem nunca viveu numa.

Felizmente, o senhor Ventania conseguiu um emprego de vigilante noturno há 3 semanas, sendo assim, ele passa o período do dia no Centro POP Glória e o período da noite no atual emprego. Francis encerra a entrevista deixando-nos boas-novas: em breve, irá alugar uma casa para morar. Boa sorte, Francis! <3
         

O mais jovem dos entrevistados, Wagner da Silva Ramos, de 22 anos, cresceu no bairro de Nova Descoberta, Zona Norte do Recife e, infelizmente, é um retrato de muitos jovens das periferias brasileiras que vão parar nas ruas. De origem humilde, Wagner viveu até os 15 anos de idade com sua mãe, padrasto, avó e três irmãos; nessa idade o jovem teve uma discussão séria com sua família. Na época, Wagner era traficante do bairro, iniciou na vida do crime muito jovem e por essa razão foi posto para fora de casa. Em suas inúmeras tentativas de se reerguer, aos 18 anos, Wagner ingressa na empresa MIC (Montagens Industriais e Civis) e arruma uma companheira, com quem tem um filho, Willian, atualmente com 3 anos de idade.

Lamentavelmente, o vício em drogas o impediu de continuar em seu emprego e, consequentemente, de manter sua família. Pela segunda vez, Wagner é posto de casa para fora. Há três anos nas ruas e há um ano frequentando o Centro POP Glória, o jovem nos conta de seu medo e também de um sonho: terminar o Ensino Médio. Nosso personagem cursou até o 9º ano (8ª série) e acredita que o término do ciclo básico da educação trará boas oportunidades para ele e para seu filho, o seu maior afeto.


A única mulher dos personagens entrevistados é a Tatiane, de 42 anos. Uma pessoa ainda sem consciência de seus direitos de pessoa trans “Você quer saber meu nome de homem ou de mulher?”. Tatiane possui uma vida muita chagada, o nome social, diante de seus infortúnios, parece ser o menor de seus problemas. Tati, como gosta de ser chamada, cresceu no Alto Santa Terezinha com a mãe, padrasto e oito irmãos. Desde jovem sua família percebia seu gosto por maquiagens, esmaltes, dentre outras coisas relacionadas ao universo dito feminino. Sendo assim, a rejeição a ela começou, também, desde cedo. Com apenas 11 anos, Tatiane foi levada ao antigo colégio que abrigava meninos de rua no Recife, lugar onde nossa entrevistada também sofreu, devido a separação de gênero do colégio. Anos mais tarde, Tati foi resgata por seu irmão para viver com ele, contudo, a estadia na casa do parente não durou muito, por conta dos constantes maus tratos do irmão para com ela. Tatiane carrega consigo um homicídio (em legítima defesa) e dois roubos para o consumo de drogas. Sua vida é repleta de episódio obscuros, no entanto, ela contrasta todos esses acontecimentos com as cores vibrantes de suas roupas e maquiagem. Apesar da aparência alegre, receptividade e simpatia, Tati faz um desabafo “As pessoas me dizem que falta emprego e colocam a culpa nos remédios que tomo, mas eu sei que não é isso. Falta emprego, porque eu sou travesti, outros moradores de rua conseguem, eu vejo, mas eu não.”


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