O longa Moça com Brinco de Pérola (2003) dirigido pelo britânico Peter Webber é uma adaptação de um livro homônimo (1999) escrito por Tracy Chevalier que busca retratar, de forma fictícia, a história de uma das obras-primas do pintor holandês Johannes Vermeer.
O filme se passa na Holanda do século XVII e conta a história de uma jovem, Griet (Scarlett Johansson), que se vê obrigada a trabalhar como criada na casa de uma família abastada, como forma de suprir as necessidades financeiras de sua humilde família. Ao chegar em seu local de trabalho, Griet é auxiliada por uma outra criada que lhe apresenta o modo de se trabalhar daquela casa. Com o desenvolver do filme, fica explícito, a nós espectadores, a sedimentação social existente nesta época, na qual uma criada não pode dirigir a palavra à patroa sem ser solicitada, ou ainda, a forma ríspida com que os membros da elite holandesa delegava ordens a seus criados.
O contado da moça com seu patrão, o então pintor barroco Johannes Vermeer (Colin Firth), se dá sobretudo no ateliê do artista, localizado no sótão da casa. Por ser uma criada, Griet precisa limpar os diversos cômodos da casa, inclusive o ateliê; são nessas obrigações diárias que vai se firmando, gradativamente, o contanto entre a moça e o artista. Este contanto é envolto de um clima amoroso, entretanto, devido às circunstâncias em que ambos se encontram (Vermeer casado e Griet namorando) nada sucede.   
O pintor se mantém financeiramente, por meio de recursos advindos de patrocinadores da arte; vemos uma estreita relação entre arte e mercantilismo. Em sua mais hodierna encomenda, Vermeer deverá pintar sua récem-chegada criada, a pedido de um mecenas. Em virtude da personalidade ciumenta da esposa do artista, este precisa pintar seu objeto artístico, Griet, em segredo; para isso ambos, modelo e artista, encontram-se sigilosamente para que o trabalho seja executado.
É curioso observar que tanto no livro, quanto no filme a jovem do famoso quadro Moça com Brinco de Pérola (1665) é uma pessoa real, diz-se que a obra-prima de Johannes Vermeer se trata de um tronie, isto é, uma face imaginada, todavia esta informação é contestável, pois muito pouco se sabe sobre Vermeer e suas obras.
No decorrer do trabalho, o artista sente falta de um ponto de luz, que será materializado em forma de brincos de pérolas (conseguido por meio de um “furto” das joias da esposa de Vermeer). Sabemos que a pérola é um material que se forma no interior da ostra quando ela é atingida por alguma substância indesejável, sendo assim, pode-se afirmar que as pérolas são belos produtos da dor, assim como Griet, uma bela moça com uma história de vida árdua e resignada, seja por sua condição de criada, seja por sua condição de mulher. Brinco e modelo se fundem numa perfeita harmonia e se destacam em meio ao fundo escuro da tela, compondo assim, o tão famoso jogo do claro-escuro da estética barroca.
Vale salientar que o Barroco Holandês difere do Barroco dos demais países europeus quanto a temática, neste temos a religião como tema central, naquele o que prevalece são retratos de pessoas em cenas quotidianas e um toque de realismo.
O ritmo do filme é vagaroso e minucioso, um e outro conferem um caráter delicado ao enredo e cooperam na elucidação do porquê da obra de Vermeer transmitir a quietude e o silêncio.
Um acontecimento muito significativo para o andamento do filme é o fato da jovem não ter as orelhas furadas, sucede que o artista para ter seu tão desejado ponto de luz na orelha da moça, fura-a, à pedido da mesma. Este ato pode ser compreendido como uma metáfora da desfloração. A peripécia da obra cinematográfica acontece quando a esposa do artista descobre que sua criada serviu de modelo para seu marido, contudo o ânimo da mulher fica mais alterado, quando esta percebe que a jovem usara seus brincos de pérolas no quadro, temos então uma outra metáfora, desta vez para tratar da traição. Dentro duma linguagem conotativa as pérolas nada mais são que a prova de uma traição. O filme finda quando Griet é despedida da casa, adicionando, por mais uma vez, “dor a sua beleza de pérola”. A beleza não foi agradável a moça, assim como a arte também não é, por muitos momentos.
Uma coisa é certa, e peço licença a você, leitor, para ressignificar a palavra tronie e proferir: Se a célebre obra de Vermeer é considerada por muitos críticos um tronie, o livro/filme também o é. Pois este(s) nada mais é(são) que a criação de uma história imaginada sobre uma Moça com Brinco de Pérola. Obras artísticas homônimas (seja ela visual, literária ou cinematográfica) que valem muito a pena serem apreciadas, devido a toda essa riqueza de linguagens.


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