A indústria cinematográfica, nem sempre, possui como única função o entretenimento. Podemos, além da diversão para os momentos ociosos, extrair diversas reflexões e ensinamentos que nos auxiliam a ser humanamente melhores. Abaixo segue uma lista com os 15 filmes mais incríveis deste ano de 2017, isso não significa dizer que todos foram lançados em 2017, só que eles foram assistidos por mim neste ano. 

1. Histórias Cruzadas (The Help) - 2012
Histórias Cruzadas é uma adaptação literária homônima que trata das relações raciais existentes entre empregadas negras e a elite branca estadunidense da década de 60. O longa possui um elenco impecável sendo protagonizado pelas grandes Viola Davis, Emma Stone e Octavia Spencer (esta última é uma das minhas atrizes favoritas da vida) que dão um tom de dramaticidade e comédia aos eventos político-históricos e a luta pelos direitos civis dos negros nos EUA. 

2. Um Contratempo (Contratiempo) - 2017
A princípio, Um Contratempo parece ser só mais uma obra mediana de suspense policial, contudo a película espanhola surpreende muitíssimo, costumo dizer que Um Contratempo possui um dos melhores plot twist de todos os tempos. É um tipo de filme, no qual não se pode falar demais para não estragar o grand finale.

3. A Garota Dinamarquesa (The Danish Girl) - 2016
A narrativa do filme discorre sobre a vida das pintoras dinamarquesas Gerda Wegener e Lili Elbe, mais especificamente desta última, tida como a primeira transexual a se submeter a uma cirurgia de redesignação sexual. O longa é todo muito bem cuidado, além de possuir uma narrativa sensível, a fotografia deste filme é magnífica e o elenco formidável.

4. Aquarius - 2016
Confesso que não sou entusiasta do cinema nacional (sim, eu preciso melhorar!), por isso levei um bom tempo até assistir Aquarius apesar de suas inúmeras premiações, apesar de todos os meus amigos o indicarem loucamente. E que grande surpresa! Aquarius é um filme politicamente engajado que põe na mesa uma diversidade de temas sensíveis e necessários. Um adendo para Sônia Braga e sua atuação impecável.

5. Corra! (Get Out) - 2017
Conhecem aquela famigerada frase “Eu não sou racista, tenho até amigos negros”? Pois bem, o filme explora muito bem isso. A narrativa de terror gira em torno de como uma misteriosa família branca se relaciona com seus empregados negros e o novo namorado, também negro, de sua filha. Assim como Um Contratempo não posso me delongar para não prejudicar a experiência do espectador. 

6. Coraline - 2009
Coraline é uma adaptação literária da obra homônima do britânico Neil Gaiman e uma das melhores animações em stop motion da atualidade. Apesar de sua atmosfera sombria o filme possui uma mensagem incrível: as pessoas que amamos são repletas de falhas, mas isso não é motivo para não amá-las.

7. A Menina que Roubava Livros (The Book Thief) - 2014
Eu já havia lido o início da obra, na qual o filme foi inspirado, porém a leitura não fluiu. Achei chato, monótono e enfadonho e acabei por abandonar o livro. Devido a essa frustrante experiência com o livro, fui sem grandes expectativas para o filme, porém fui surpreendida com uma delicada e tocante história de uma órfã adorável em meio a Alemanha nazista da II Guerra Mundial. Vou, inclusive, dar uma segunda chance a obra literária.

8. A Bela e a Fera (Beauty and the Beast) - 2017
Os contos de fadas fazem parte do imaginário das pessoas ao redor do globo. A Bela e a Fera se tornou uma clássica animação, imortalizada pela Disney em 1991 (ano do meu nascimento). Reassistir A Bela e a Fera, 26 anos depois, agora em live action, com uma atriz (Emma Watson) que praticamente cresceu junto a mim (não tão junto assim, rs), é no mínimo mágico. Sem falar que a Disney não economizou e caprichou bastante nos cenários, músicas, figurinos, maquiagem, fotografia e efeitos visuais. Ficou excepcional!

9. Estrelas Além do Tempo (Hidden Figures) - 2017
Suspeito que, talvez, não exista um filme ruim quando há Octavia Spencer no elenco. Ao lado dela, figuram as maravilhosas Taraji P. Henson e Janelle Monáe como protagonistas. Estrelas Além do Tempo, também, trata da questão racial, desta vez, a história se passa nos EUA, durante o período da Guerra Fria. Três matemáticas negras tentam se desdobrar, dentro dos seus empregos na NASA, para provar o seu valor como mulher e mais ainda como negra. Um filme tocante que é baseado numa história real.

10. Jogo Perigoso (Gerald’s Game) - 2017
Imaginem um casal que decide passar um final de semana num lugar afastado da cidade, sem ninguém por perto para incomodar, como uma forma de sair da monotonia de uma relação amorosa desgastada. Até aí tudo bem! Imaginem que esse mesmo casal resolve inovar: a mulher é algemada à cama, devido a um fetiche do marido, o que nenhum dos dois imaginava é que o marido infartaria enquanto a mulher ainda estivesse algemada. Jogo Perigoso é um thriller psicológico, baseado em um dos livros do notável Stephen King.

11. It: A Coisa (It) - 2017
Outra adaptação de uma obra de Stephen King para o cinema. It foi um dos filmes mais aguardados de 2017. O ator que dá vida ao icônico palhaço devorador de crianças, o sueco Bill Skarsgård, teve uma atuação tão icônica quanto seu personagem. O elenco infantil, também maravilhoso, lembra muitíssimo a queridinha Stranger Things, inclusive um dos atores mirins, Finn Wolfhard, é de lá. Um filme divertido e perturbador, tudo ao mesmo tempo. 

12. Moana - 2017
A palavra que abarca o filme Moana é representatividade. Todos nós crescemos cercados pelas princesas brancas da Disney, Moana é mais uma que integra o time das não brancas ao lado de Pocahontas e Mulan. É muito bom ver uma garota de pele escura com um cabelo muito parecido com o meu, se é representativo para mim que sou adulta, imagina para uma criança. Além de que ela é uma das poucas que não precisa de um príncipe para ter um final feliz. A trilha sonora é cativante, como é de praxe nos filmes da Disney. Destaco a faixa We Know the Way, uma das mais fabulosas, cantada na língua toquelauana, uma das inúmeras línguas da Polinésia.

13. Lion - 2017
Retrata a história real de um indiano, Lion, que se perdeu da sua família quando tinha apenas 5 anos. Lion passa inúmeras dificuldades nas ruas indianas, até ser adotado por um casal australiano. Aos 25 anos, decide ir em busca de sua família biológica. Um filme tocante e com um final feliz!

14. A Garota do Trem (The Girl on the Train) - 2016
Um filme respeitável que mostra o quanto o machismo pode ser sutil e velado nas relações afetivas aparentemente felizes. 

15. A Chegada (Arrival) - 2016
A Chegada, talvez, possa não parecer tão empolgante ao público geral. Contudo, para mim que fui e sou estudante da Linguística, o filme ganha um olhar direcionado a esta área do saber. Tudo começa com a chegada de uma nave alienígena à Terra, os novos visitantes, entretanto, não esboçam nenhuma reação. Uma professora de Linguística é recrutada pelo governo, a fim de desvendar o motivo dos extraterrestres estarem aqui. O filme trata de temas interessantíssimos como Linguística e Cognição e até que ponto a linguagem interfere na forma dos seres (não somente os humanos) enxergarem o mundo.


Livro da editora Da Boa Prosa, 2014.

Deuses de Dois Mundos - O livro do Silêncio é o primeiro livro de uma trilogia épica que desbrava a mitologia dos orixás. A obra é de autoria do carioca P.J. Pereira que, além de escritor, é publicitário e produtor de filmes. De acordo com o Institute for Cultural Diplomacy, com sede nos EUA e Alemanha, o Brasil é o maior país com população negra fora da África, no entanto, sabemos tão pouco a respeito da nossa ancestralidade; obviamente há uma explicação para esse desconhecimento: o Brasil possui uma trajetória de perseguição, omissão e intolerância que impede a propagação de uma herança cultural que também é nossa. Deuses de Dois Mundos acaba por se tornar um grandioso presente a nós brasileiros, por inserir de forma deleitável e leve uma mitologia tão rica e magnífica que, infelizmente, ainda é distante e envolta em preconceitos.
No primeiro livro da trilogia, sete dos atuais orixás mais conhecidos nos são apresentados, dentre eles estão: Orunmilá, Exu, Oxum, Ogum, Oxóssi, Iansã e Xangô. Acredita-se que os orixás eram ancestrais que tiveram uma vivência terrena - por isso as características semelhantes aos humanos - e, posteriormente, foram divinizados por terem adquirido controle sobre a natureza. É a essa vivência terrena no Aiê (o mundo dos homens) a que nós leitores somos apresentados, a caracterização dos personagens do P.J. Pereira é bastante humana, passamos a conhecer a personalidade, gostos, imperfeições e virtudes de cada um dos sete, sem nem nos darmos conta.
Orunmilá consultando um de seus instrumentos: a tábua de Ifá (oráculo africano).

Tudo começa quando os instrumentos do grande babalaô (espécie de adivinho) Orunmilá se calam. Por meio desses instrumentos, Orunmilá fazia contato com os odus (16 príncipes do destino que falam através dos instrumentos) que habitam o Orum (o mundo dos espíritos), a fim de aconselhar todo um povo, sobre diversos assuntos. Orunmilá envia o seu mensageiro Exu ao Orum, com o intuito de descobrir o porquê do silêncio dos odus. De volta do Orum, o mensageiro revela ao babalaô que as Iá Mi Oxorongá (velhas feiticeiras) sequestraram os odus e que Oxalá e os demais orixás necessitam da ajuda de Orunmilá. Para isso, o adivinho deverá recrutar um grupo de sete guerreiros, com o propósito de resgatar os 16 odus sequestrados pelas feiticeiras.
Paralelamente a essa narrativa mitológica, em torno dos sete guerreiros e a sua jornada para encontrar os odus, é contada a história do jornalista Newton Fernandes, um jovem ambicioso e cético quanto às questões espirituais. Descobrimos quem é Newton e a série de eventos estranhos que aconteceu a ele, por meio dos e-mails trocados entre o próprio jornalista e um desconhecido, saudado apenas por “Laroiê”. Sendo assim, há uma alternância entre a narrativa mitológica e os e-mails de Newton, a opção por essa estrutura na obra torna a leitura mais fluida, além de que essa estratégia integra a ancestralidade à contemporaneidade de forma louvável.
Um book trailer da trilogia foi lançado, em 2013, no canal do P.J. Pereira no YouTube. Confesso que boa parte do desejo pela leitura dos livros da série surgiu desse vídeo que conta com a narração do grandioso Gilberto Gil e trilha sonora de Otto (cantor pernambucano) e Pupillo (do Nação Zumbi), só gente incrível! Confesso, também, que esse book trailer nos deixa bem desejosos de um filme ou, quem sabe, um conjunto de filmes. Seria incrível se assim fosse, pois o alcance cinematográfico é, na maioria da vezes, maior que o alcance literário. E vamos combinar que o cinema já está saturado de filmes que tratam da mitologia greco-romana ou nórdica em narrativas fílmicas, não é mesmo? Não que isso seja ruim, muito pelo contrário! Mas a questão é: por que só há espaço para esse tipo de mitologia? Deixo a pergunta para reflexão e o book trailer para aguçar-lhes o desejo.


Livro da editora Record, 2016.

O depoimento da pequena Anne Frank, morta pelos nazistas após passar anos escondida no sótão de uma casa em Amsterdã, ainda hoje emociona milhões de leitores. Seu diário narra sentimentos, os medos e as pequenas alegrias de uma menina judia que, como sua família, lutou em vão para sobreviver ao Holocausto.
Trecho retirado da Quarta Capa
Frank, Anne. O Diário de Anne Frank. Rio de Janeiro: Record, 2016.



O Diário de Anne Frank é um livro surpreendente em todos os sentidos. A começar por seu gênero textual, o diário. Até mesmo o mais bookaholic dos mortais costuma cultivar uma diversidade de títulos em seu leque de leituras, mas, dificilmente, uma diversidade de gêneros. E sabemos que os gêneros textuais podem mudar totalmente a maneira como lidamos com a leitura. O diário, em sua essência, é um gênero extremamente pessoal, o que, de certa forma, aproxima ainda mais o leitor dos personagens. Em O Diário de Anne Frank, temos esse pessoalidade duplicada, por se tratar de pessoas que, de fato, existiram.
Manuscrito original do diário de Anne Frank.

Textualmente falando, O Diário de Anne Frank é um livro simples de se ler, e isso se deve, em grande parte, a seu gênero textual. Há ainda um outro fator a se considerar para essa “simplicidade linguística”, a sua autora é uma garota de 13-15 anos. Contudo, é importante ressaltar, que, apesar da pouca idade, Anne possui uma escrita muito madura e cuidadosa para uma adolescente. Naturalmente o livro passou por inúmeras revisões gramaticais, mas sabemos muito bem que uma boa escrita não se constitui apenas de gramática.
A simplicidade textual, entretanto, não se mantém na temática. Trata-se de um diário escrito entre 1942 e 1944, período, no qual a II Guerra Mundial (1939-1945) dizimava milhares de pessoas ao redor do globo, portanto boa parte de seus relatos giram em torno de como as pessoas - principalmente judeus - tentavam escapar dos horrores provocados pelo Nazismo.
Vista frontal do Anexo Secreto, o esconderijo dos Frank e seus amigos.

TRECHO I: O DILEMA DA ORIGEM
“Excelentes espécimes da humanidade, esses alemães, e pensar que na verdade sou um deles! Não, isso não é verdade, Hitler retirou nossa nacionalidade há muito tempo. E, além disso, não há maiores inimigos na terra do que alemães e judeus.”
(Sexta-feira, 9 de outubro de 1942)
Anne Frank nasceu em Frankfurt, na Alemanha, em 12 de junho de 1929. Seus familiares (Otto Frank, pai; Edith Frank, mãe e Margot Frank, irmã mais velha) eram todos alemães também. Anos mais tarde, a família Frank precisou se mudar para Amsterdã, Holanda, devido a uma crescente onda antissemita em Frankfurt, impulsionada, sobretudo, pela vitória do Partido Nazista de Adolf Hitler naquela cidade. Infelizmente o antissemitismo ultrapassou as terras germânicas chegando até a Holanda. Ultrapassou não somente os limites geográficos, mas, também, os limites humanos. Tornando alemães (nazistas, obviamente) e judeus os “maiores inimigos da terra”.  

TRECHO II: ESTUDOS NO ANEXO SECRETO
“Aulas: Curso semanal de taquigrafia por correspondência. Curso de inglês, francês, matemática e história oferecidos a qualquer hora do dia ou noite. Pagamento na forma de aulas, por exemplo, de holandês.”
(Terça-feira, 17 de novembro de 1942)
O estudo de línguas, história, geografia, matemática, dentre outras disciplinas, era uma realidade entre as irmãs Frank no Anexo Secreto. A leitura de livros de ficção também. Anne se revela uma leitora ávida, não é à toa que sua escrita é uma concretização do seu interesse por línguas e de suas múltiplas leituras. Encontramos diversas passagens no diário, nas quais Anne comenta sobre os livros que anda lendo, ou ainda, sobre o que precisa estudar no dia. É muito encantadora essa preocupação dos Frank, de forma geral, com a própria educação. Além de ser um ótimo instrumento para driblar a monotonia do Anexo, a educação proporcionou esperanças a Anne e, portanto, vivacidade em meio aquele sofrimento.
Anne em sua escola, 1940.

TRECHO III: O PAPEL É MAIS PACIENTE QUE AS PESSOAS
“Estamos trancados nesta casa como se fôssemos leprosos, especialmente durante o inverno, o Natal e os feriados de Ano-Novo. Na verdade, eu nem deveria estar escrevendo nada disso, pois pareço ingrata, mas não posso guardar tudo dentro de mim, portanto repito o que disse no início: ‘O papel é mais paciente do que as pessoas.’”
(Sexta-feira, 24 de dezembro de 1943)
Já é agonizante pensar na possibilidade de passar três anos de sua vida preso num lugar com sua família e mais quatro conhecidos, imagina vivenciar. Acrescento a isso, o fato de que você deverá viver em silêncio, para não chamar a atenção de possíveis inimigos; de que você não chegará perto da janelas, nem tomará tantos banhos quanto gostaria, ou ainda, de que não poderá comer o que quer e o quanto quer, pois tudo é muito escasso. É monótono, enfadonho e enlouquecedor. Além dos estudos formais e leituras, Anne Frank adotou, também, a escrita como uma válvula de escape daquele mundo inerte e debilitante e é, por meio dela, que temos acesso às suas memórias.

TRECHO IV: MUDANÇAS
“A gente não faz ideia de como mudou até que a mudança já tenha acontecido. Eu não mudei de um jeito radical, tudo em mim é diferente: minhas opiniões, minhas ideias, a visão crítica. Por dentro, por fora, nada é igual.”
(Sábado, 25 de março de 1944)
Anne Frank escreveu seu diário dos 13 aos 15 anos e fica evidente ao leitor a mudança que ocorre ao longo desses três anos. Assim como qualquer ser humano, Anne tem os seus desafetos, contudo sua demasiada preocupação com isso, em suas primeiras páginas de diário, se torna evidente em sua delonga nos comentários sobre tudo o que gosta e, principalmente, o que não gosta em suas colegas de sala, por exemplo. Há, ainda, o relacionamento enfraquecido que Anne nutre por sua mãe, que posteriormente é melhorado, em função do amadurecimento da garota. Nós leitores vamos crescendo e amadurecendo nossas visões junto com Anne, no decorrer do seu livro.
Série de fotos, ano desconhecido.

TRECHO V: ANNE FRANK VIVE!
“Não quero que minha vida tenha passado em vão, como a maioria das pessoas. Quero ser útil ou trazer alegria a todas as pessoas, mesmo àquelas que jamais conheci. Quero continuar vivendo depois da morte!”
(Quarta-feira, 5 de abril de 1944)

Essa é uma passagem muito delicada e significativa, nela Anne Frank expõe todos os seus anseios e sonhos. A luta pelo direito mais básico de um ser humano, o direito à vida, foi em vão, contudo sua memória permanece viva para lembrar a todos aqueles que cultivam a intolerância religiosa - e eu estendo aqui todos os preconceitos, as mais perfeitas manifestações do não-amor - de que ela mata, seja direta ou indiretamente. Anne vive, pois conseguiu imortalizar os seus e se imortalizou através da escrita.